terça-feira, 28 de maio de 2019

UMA CONVERSA SILENCIOSA


Eugénio Lisboa acaba de coligir num grosso volume de mais de quinhentas páginas, editado pela Imprensa Nacional, um conjunto de 74 ensaios publicados ao longo dos últimos anos. Reconheço a origem de alguns, mas não de todos. Desconfio que haverá meia dúzia de inéditos. Uma Conversa Silenciosa é portanto o livro mais recente do autor.

Os textos estão agrupados em três secções: Miscelânia / De portas adentro / De portas para fora. Intercalados com os de âmbito geral, uns quantos têm destinatário concreto. Casos de, entre outros, Alfredo Margarido, António Brotas, Ângelo (o pintor), António Figueiredo, Régio, Urbano Tavares Rodrigues, Alberto de Lacerda, Antero, Sérgio, David Mourão-Ferreira, Luís Amorim de Sousa, Onésimo Teotónio de Almeida, Pessoa, Florbela Espanca, Luís Amaro, Manuel Alegre, Rui Knopfli, Teresa Martins Marques, Germano Almeida, João Paulo Borges Coelho, Hemingway, P.G. Wodehouse, Robert B. Parker, Glória de Sant’Anna, Bernard Shaw, Lêdo Ivo, June Tabor (a cantora), Sartre e o poeta grego Ares Alexandrou.

Eugénio Lisboa tem o mérito de pensar pela sua cabeça, ao arrepio de modas, sem nunca deixar de ser claro, erudito e certeiro. Seja-me permitido destacar, entre os textos mais tocantes, o dedicado a Secotine — Mais literatura com gatos: my darling Secotine —, a gatinha que um dia deixou de fazer companhia ao escritor: «Tu eras a graça, a vida, [...] Eras a velocidade / encarnada, o gostoso / ir à nossa intimidade...» Quem prefira polémicas encontra aqui o famoso To Fuck, Or Not To Fuck: That Is The Question, resposta crua à magna questão colocada por António Lobo Antunes a propósito de Pessoa: «Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor

Para memória futura fica ainda a carta aberta dirigida ao primeiro-ministro, que era então Passos Coelho, por ocasião do «tiroteio fiscal» sobre a terceira idade:

«O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso

Honro-me de ter publicado essa carta neste blogue, nos ominosos tempos da troika, mas é bom que fique grafada em letra de forma

Há mais, evidentemente, mas não cabe nesta breve nota de leitura.