quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

MARINA PEREZAGUA


Hoje na Sábado escrevo sobre Yoro, de Marina Perezagua (n. 1978). Mais conhecida como contista, a espanhola chega à edição portuguesa com o único romance que publicou. Seria bom editar as colectâneas de contos. A escrita de Marina, que vive e lecciona em Nova Iorque, tem sido comparada com a de Djuna Barnes. A avaliação vale o que vale, mas dá a medida da recepção crítica. Sem prejuízo da fluidez, não é despiciendo que a estrutura deste romance deva quase tudo à matriz do conto. Tomemos como exemplo a história de Herculine Barbin, a/o hermafrodita, que pode ler-se como texto autónomo. O livro abre com uma enigmática declaração de interesses, assinada H., algures na República Democrática do Congo. Descobrimos então que aquele H, vogal muda em castelhano, inicial de Hiroxima, corresponde à identidade da narradora. Afinal, é das sequelas da bomba que Yoro trata, e em paralelo com a saga de Jim, o soldado americano que «viu e acariciou a pele» da mãe de Yoro. A narrativa contrapõe realidades distintas, duas em particular, Hiroxima e um incêndio no Congo. Corolário: a devastação não se mede pelo impacto imediato. As mortes individuais, «pela fome, a escravatura, a doença», acrescidas dos abusos sexuais que o status quo permite e finge ignorar, em nada se distinguem de um bombardeamento planificado. O que a autora sublinha é justamente o indizível: o genocídio japonês de 1945 e o quotidiano de certas zonas de África (nos nossos dias) são sobreponíveis. Uma tese escorregadia que Marina Perezagua defende bem, tendo como ponto de partida as minas de urânio, e a relação entre uma coisa e outra, de tão óbvia, dispensa grandes explicações. São vários os episódios que acentuam o carácter desconcertante da narrativa. Desde logo a peculiar gravidez da narradora. Mas também a descoberta, na Hungria, de «um vibrador [um pénis com dezoito centímetros] que os arqueólogos datavam do período Mesolítico…», um dos muitos artefactos sexuais que a autora descreve com minúcia nas páginas que dedica ao tema. O «prazer de matar» vem associado ao terceiro orgasmo: «Como vê, nunca poderá dizer que sou frígida.» Neste caso, terceiro não é número, mas género: orgasmo heterossexual, homossexual, assassino. Crime, disse ela. Quatro estrelas. Publicou a Elsinore.

BEST OF


O Best Of da Sábado saiu hoje. Aqui ficam a minhas escolhas:

Todos os Contos, Clarice Lispector / Relógio d’Água
Uma rapariga é uma Coisa Inacabada, Eimear McBride / Elsinore
Túnel de Pombos, John Le Carré / Dom Quixote
A Gorda, Isabela Figueiredo / Caminho
A Última Noite e Outras Histórias, James Salter / Livros do Brasil

Clique na imagem.

MÃE & FILHA


Para mal dos meus pecados, não faço parte da legião de pessoas que conhecia a Princesa Leia de Star Wars. Nem sabia que Carrie Fisher era filha de Debbie Reynolds (1932-2016), que morreu ontem durante os preparativos do funeral da filha. As gerações mais novas não sabem quem foi Debbie Reynolds, que protagonizou setenta filmes, mais coisa menos coisa. Tenho de voltar a ver The Unsinkable Molly Brown, que em 1964 emocionou a minha juventude. Vejam, para tomar o pulso a uma actriz imensa.

Na imagem, Debbie e a filha. Clique.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

BÍBLIA GREGA


Fico sempre surpreendido com a incapacidade de tantos em perceber o sentido de um texto. Será que só lêem duas linhas? Abreviando: o que ontem escrevi no Facebook sobre “especialistas de grego” (nos media) foi entendido como crítica à recente tradução do primeiro volume da Bíblia Grega, empreendida por Frederico Lourenço. Num país onde 99% das pessoas, grupo no qual me incluo, não domina os estudos bíblicos, e menos ainda as variantes dos cânones católico, hebraico e protestante, dando de barato que uma percentagem ligeiramente mais alargada tenha conhecimentos de latim e grego, num país como o nosso, dizia, faz-me espécie ver tanto especialista encartado. Eu também presumo que a tradução seja boa. E tenho boas razões para presumir. Frederico Lourenço tem provas dadas como tradutor de Homero e outros, não estando em causa a sua erudição ou proficiência literária. Mas presumir não é o mesmo que garantir. Passou-se o mesmo em 1995, com O Erro de Descartes, de António Damásio. O pessoal deu cambalhotas como se estivesse a comentar O Canto da Mocidade de Odette de Saint-Maurice.

Voltando à Bíblia Grega. Até ao momento, li uma recensão ao trabalho de Frederico Lourenço, publicada no Observador no passado 16 de Outubro. Um texto assinado por Frei Herculano Alves, franciscano capuchinho, biblista, professor da Universidade Católica do Porto. Francisco José Viegas, editor da Quetzal, reagiu em defesa do seu autor: «[...] só o pode fazer por uma de três razões: má fé, ignorância ou distração. Certamente que foi por distração. Há limites.» É tudo o que sei à margem dos Best of de imprensa.

Ainda ontem, um dos espantados com o meu post comentou por mensagem privada. Palavra puxa palavra, ele, um dos que ama esta versão, não sabia da existência de uma Bíblia Grega: «Mas então não é judaica

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

GEORGE MICHAEL 1963-2016


Vítima de paragem cardíaca enquanto dormia, George Michael (1963-2016), aliás Georgios Kyriacos Panayiotou, filho de pai cipriota grego e mãe inglesa, morreu ontem na sua casa em Oxfordshire. Tinha 53 anos. Em 1981 fundou com Andrew Ridgeley a banda Wham! que o tornaria conhecido em todo o mundo. Em 1987 saiu do armário, assumindo-se como gay, e passou a actuar a solo. Em Abril de 1998 foi preso num urinol público de Los Angeles por um polícia de nome Marcelo Rodríguez, membro do Squad Pretty, o corpo de polícias handsome que, actuando à paisana, induzia homossexuais a praticar sexo em locais públicos para depois lhes darem ordem de prisão, como também acontecia em Portugal antes de Abril de 1974. George Michael vendeu mais de cem milhões de discos, recebeu dezenas de prémios, e marcou de forma decisiva a música pop de língua inglesa. Crítico da invasão do Iraque, lançou em 2002 o álbum Shoot the Dog (os cães são Bush e Blair), cujo vídeo promocional inclui um urinol da Casa Branca, em referência explícita ao episódio de 98.