sábado, 6 de março de 2021

CEM ANOS


Num país em que a memória dura, quando dura, 48 horas, os cem anos do PCP não podem ser ignorados. Praticamente tudo me afasta das práticas do Partido, mas também bocejo com Proust e ele não deixa de ser quem é por causa das minhas idiossincrasias.

Fundado a 6 de Março de 1921, antes portanto da existência formal da URSS, o Partido Comunista Português foi a mais importante força de oposição ao Estado Novo.

Ao contrário dos partidos maoistas ou aparentados, surgidos nos anos 1960, cujos activistas mais destacados desaguaram quase todos no PPD/PSD e na Goldman Sachs, o PCP tem conseguido manter uma assinalável coerência.

Gostava de ler uma História do PCP feita com rigor científico, sem preconceito de qualquer índole, e tenho pena que o centenário não tenha sido pretexto bastante (não será por falta de historiadores, porque, a avaliar pela imprensa, são às centenas). Há muitos esqueletos no armário, o mais embaraçoso dos quais Júlio Fogaça, o líder homossexual que esteve dezoito anos na prisão, alguns deles no Tarrafal. Expulso do Partido em Janeiro de 1960, Fogaça foi rasurado da narrativa oficial. 

Verdade que existe a excelente biografia de Cunhal feita por Pacheco Pereira, mas os quatro volumes publicados (entre 1999 e 2015) vão só até Setembro de 1968, ou seja, até à queda de Salazar. Tendo Cunhal falecido em 2005, continua por contar — com a minúcia e suporte documental que caracterizam os volumes disponíveis — a história do Partido durante o marcelismo e nos primeiros 30 anos de democracia.

Isto dito, cem anos são cem anos. Não vale a pena assobiar para o lado.

Imagem: detalhe de um folheto do Avante. Clique.