quarta-feira, 29 de julho de 2020

BESSON


Era Fevereiro, a pandemia ainda era um exclusivo da China e da Itália, quando li este romance de Philippe Besson, amigo de Emmanuel e Brigitte Macron e, portanto, mal visto na França gauchiste.

O azedume acentuou-se em Agosto de 2018 com a sua nomeação para cônsul da França em Los Angeles, cidade onde vivia e leccionava há vários anos. A controvérsia atingiu o paroxismo quando o Syndicat du Ministère des Affaires Étrangères apelou ao Conselho de Estado. Em Março de 2019, sublinhando não estar em causa a pessoa de Besson, mas «o princípio da igualdade», foi anulado o decreto presidencial. Isto na França, país que, à semelhança de dezenas de outros, sempre teve cargos diplomáticos ocupados por escritores. Adiante.

Philippe Besson tem 53 anos, é homossexual, jurista e professor na área do Direito Social. Entre outros cargos, ocupou o de secretário-geral do IFOP, ou seja, o Institut Français d’Opinion Publique. A obra literária inclui mais de vinte romances, alguns dos quais adaptados ao cinema (um deles, Son frère, é o filme homónimo feito por Chéreau em 2003), três novelas e um livro de poesia.

Com três romances publicados em Portugal, nem por isso Philippe Besson se tornou um nome familiar. Um quarto título, Deixa-te de Mentiras, primeiro tomo da trilogia autobiográfica, vai com certeza fixar o nome do autor. O livro narra a história de amor de dois rapazes de 17 anos na cidadezinha francesa de Barbezieux. Três anos em três capítulos: 1984, o ano que ocupa dois terços do livro; 2007 e 2016, anos de explicação do day after. Pode-se dizer que Besson escreveu a versão contemporânea de Les Amitiés Particulières, o clássico de Roger Peyrefitte que atordoou a França de 1943. A principal diferença reside no registo cru (sexo sem metáforas), bem como na centralidade das questões identitárias: «No fim de contas, o amor só foi possível porque ele me viu não como eu era, mas como eu iria ser.» O inesperado desfecho tem a seu favor uma narrativa isenta de ênfase e de proselitismo. Há momentos deveras sublimes ao longo deste tão pungente récit. Notável sob vários pontos de vista.

A imprensa cultural portuguesa fez vista grossa ao livro. Jornais conspícuos que todas as semanas promovem lixo inominável, aos costumes disseram nada.

Fazer figas para que a Sextante publique o resto da trilogia: Un Certain Paul Darrigrand e Dîner à Montréal, ambos em 2019.

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