sábado, 24 de agosto de 2019

LO QUE PASA?


Vivemos num mundo estranho. Lembram-se da crise venezuelana?

Este ano, a Venezuela monopolizou as manchetes planetárias durante quatro meses consecutivos: de Fevereiro a Maio, ninguém falava de outra coisa senão do braço-de-ferro entre Guiaidó e Maduro, de populações deslocadas por força da fome generalizada (os media internacionais mais conspícuos referiram três milhões de pessoas), de ajuda humanitária impedida de entrar no país, de carência alarmante de medicamentos, de prisões arbitrárias, dissensões nas Forças Armadas, avisos temerários de Trump, apagões durante dias seguidos, Caracas mergulhada em violência e caos, exigência de novas eleições por parte da UE, ameaças do Grupo de Lima (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia), navios e aviões russos prontos a neutralizar uma eventual intervenção americana, etc. Era o Apocalipse na terra.

E de repente a Venezuela saiu do mapa.

Guiaidó continua no país? Em caso afirmativo, mantém o cargo de Presidente interino? A fome passou? Os refugiados voltaram? A oposição que se manifestava em modo contínuo volatilizou-se?

Tudo isto é muito estranho. Ou talvez não seja, porque a guerra civil líbia, cada vez mais violenta, também não consta dos alinhamentos noticiosos.

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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

FRIOLEIRAS, CHECKS AND BALANCES


No momento em que a parte brasileira da Amazónia arde mais uma vez, naquela que é a pior onda de incêndios dos últimos sete anos (segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Bolsonaro desdobra-se em alarvidades inenarráveis. Trump não faria pior.

Pego no assunto porque me enganei nas previsões que fiz sobre o Presidente evangelista. Previ que Bolsonaro dissolvesse o Congresso Nacional, ou seja, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, nos primeiros três ou quatro meses do seu mandato (não aconteceu); previ a prisão de Dilma e Haddad (e só o segundo está em vias de); previ a repressão violenta dos media (não aconteceu); previ a interdição de temas fracturantes na programação da Globo (não aconteceu), etc. A parte em que acertei foi no regime de teocracia escolar e na concessão de luz verde ao arbítrio policial.

O mais curioso é que o “travão” sejam os militares, desde logo os que estão no Governo. Não esquecer que o vice-Presidente é o general Hamilton Mourão, opositor, dizem-me amigos bem informados, da linha autoritária.

Verdade que Bolsonaro diz muitos disparates. Mas o Brasil, para surpresa nossa, tem um sistema de checks and balances que “trava” o Planalto.

Veja-se o caso da tentativa de nomeação do filho, Eduardo Bolsonaro, para embaixador do Brasil em Washington. Vários Procuradores federais interpuseram um processo em tribunal, alegando que o deputado não tem a experiência necessária para exercer qualquer cargo diplomático. Desse modo, a formalização do acto ficou para já bloqueada. Significa isto que a Lei brasileira prevê a interferência de magistrados na esfera de actuação do Presidente (em matéria que em princípio seria de seu exclusivo alvedrio), algo impensável em Portugal e no resto da Europa.

Portanto, aguardar para ver.

VERÃO VEZES SETE


Verão vezes sete hoje na Sábado.

Ainda me lembro do tempo em que, nos inquéritos de Verão da imprensa, os happy few da cena pública afirmavam levar Adorno e Wittgenstein para reler na praia (reliam sempre). Mantendo o prazer da leitura, prefiro descer o patamar sem perda de qualidade.

Comecemos pela selecção das crónicas que Elena Ferrante (n. 1943) publicou no Guardian, compiladas na colectânea A Invenção Ocasional, ilustrada por Andrea Ucini. São 51 textos publicados ao longo de um ano, sobre arte, doença, religião, escrita feminina, populismo — designadamente o de Salvini, Le Pen, Trump, Orbán, o Movimento Cinquestelle —, tabagismo, ficções, homens e sexo, Tarkovsky versus Kubrick, talento e outros temas: «O futuro das nossas obras é ainda mais obscuro do que o nosso.» Ideal para férias. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Saltar para Pandemia, do americano Robin Cook (n. 1940), significa mudar de registo. Cook faz parte da extensa genealogia de médicos romancistas, e o livro pertence à série centrada nas figuras de Jack Stapleton, legista num hospital de Nova Iorque, e Laurie Montgomery, sua mulher. Um thriller sobre tráfico de órgãos humanos e crimes relacionados com biotecnologia genética a partir da edição de genes CRISPR/CAS9. Longe de ser exaltante, mas os fiéis são muitos. Duas estrelas. Publicou a Bertrand.

Para leitores exigentes, Tríptico da Salvação, de Mário Cláudio (n. 1941), traz de volta um autor que aposta com sageza no virtuosismo da prosa. Um tríptico alusivo à Crucificação, Deposição e Ressurreição de Cristo serve de pretexto ao plot que opõe o amanuense Hans Kunsperger a Lucas Cranach (o Velho), o pintor que privou com Lutero. Em suma, uma biografia romanceada, género em que Mário Cláudio é exímio, quer no rigor histórico, quer no apuro da linguagem. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Nos antípodas do género, Um Inverno Sete Sepulturas, do dinamarquês Christoffer Petersen. Vá-se lá saber porquê, a edição portuguesa inverteu a ordem do título. Petersen é mais um nome a juntar à cada vez maior lista de autores nórdicos de romances policiais. O cenário e a fauna da costa leste da Gronelândia não serão os mais aliciantes, mas a personagem de David Maratse, um ex-polícia presente em livros anteriores, corresponde ao padrão-tipo. Quem leu À Sombra da Montanha recorda-se de alguns episódios. Três estrelas. Publicou a Quetzal.

Os apreciadores de contos devem escolher o modernista japonês Ryūnosuke Akutagawa (1892-1927), de quem agora foi traduzida a colectânea Rashómon e Outras Histórias, que reúne alguns dos seus melhores textos de ficção. Antes de suicidar-se aos 35 anos, Akutagawa traduziu Yeats e escreveu cerca de duzentos contos. Traduzido do inglês, este volume reúne dezoito, o primeiro dos quais (e, não por acaso, titular) foi adaptado ao cinema por Akira Kurosawa, levando o realizador a ganhar o Leão de Ouro de Veneza em 1951 e, no ano seguinte, um Óscar honorário. Para todos os efeitos, Akutagawa é um clássico. Quatro estrelas. Publicou a Cavalo de Ferro.

Voltando a romances, o australiano Peter Carey (n. 1943), há décadas radicado em Nova Iorque, aborda em Longe de Casa a questão sempre melindrosa das identidades étnicas. Tudo se passa nos anos 1950, na Austrália, tendo Irene Bobs e Willie Bachhuber como protagonistas de um vertiginoso on the road contado a duas vozes. O livro é um pretexto para retratar os complexos rácicos na Austrália do pós-guerra, e Carey faz isso muito bem, sem as “cautelas” de obras anteriores. Cinco estrelas. Publicou a Sextante.

Last but not least, com o intuito de assinalar 50 anos de obra literária, José Amaro Dionísio (n. 1947) reuniu em volume único — O Nome do Mundo — cinco livros publicados entre 1978 e 2008, aos quais juntou três núcleos autónomos, de prosa e textos poéticos, um deles inédito. Ficaram de fora as reportagens que o notabilizaram, como por exemplo uma sobre a guerra colonial em Moçambique e outra sobre a Amazónia. Todo o Alfabeto dessa Alegria (1985) continua sendo a magnum opus deste autor avesso às convenções. Quem não conhece, devia. Quatro estrelas. Publicou a Companhia das Ilhas.

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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

ITÁLIA FASCISTA


Matteo Salvini, secretário-geral da Lega Nord e vice primeiro-ministro de Itália — cargo que acumula com o de ministro do Interior —, vai ganhar o braço-de-ferro com Conte, o alegado primeiro-ministro. Conte não conta. É apenas um nome respeitável para UE ver.

Salvini, um gangster fascista, ganhará as próximas eleições. Mesmo coligado com os palhaços, Renzi não tem força nem condições para voltar ao Poder.

Cada novo barco com refugiados são mais cem mil votos a favor de Salvini.

Sergio Mattarella, o Presidente, pode atrasar o calendário, mas não conseguirá impedir uma nova República de Saló.

É trágico (e vergonhoso), mas é a realidade.

domingo, 18 de agosto de 2019

ACABOU


E às 19:40 do 7.º dia, foi desconvocada a greve dos motoristas de matérias perigosas.

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NÃO ESQUECER


Mário não pode ficar em Lisboa. Se não puder fazer uma digressão nacional, tem pelo menos de ir ao Porto.

As pessoas têm de saber como era, terem consciência de um tempo em que homens e mulheres eram internados à força (e, em muitos casos, lobotomizados) por serem “diferentes”. Aconteceu com o bailarino Valentim de Barros e com dezenas de outros. Podia ter sido um de nós.

Mário ficciona a vida de um artista que esteve internado durante 38 anos consecutivos. O texto de Fernando Heitor faz um tour d'horizon ao país hipócrita que foi o nosso entre os últimos anos da Primeira República e a queda do Estado Novo. É preciso saber como era. E não esquecer.

Flávio Gil, actor de excepção, dá o corpo e a voz ao monólogo perturbador que Fernando Heitor encenou com alto conseguimento.

No São Jorge até 1 de Setembro.

Clique nos dois instantâneos de Flávio Gil fotografado por Rui Olavo.