domingo, 17 de março de 2019

FREI LUÍS DE SOUSA


Acontece com o Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, epítome do drama romântico, o mesmo que acontece com os Lusíadas, poema épico por excelência. Décadas de leituras enviesadas erigiram uma barragem de anticorpos.

Quem teve de aturar professores tacanhos, tal como quem viu o filme que António Lopes Ribeiro fez em 1950 (vi muito mais tarde na televisão), jurou não voltar a ver a peça que põe em pauta o casamento “ilegítimo” de D. Manuel de Sousa Coutinho, capitão-mor de Almada, com D. Madalena de Vilhena, alegada “viúva” de D. João de Portugal. Tudo se passa no fim do século XVI, quando, por força da crise dinástica, Filipe II de Espanha era rei de Portugal,

Almeida Garrett escreveu Frei Luís de Sousa em 1843, após a morte de Adelaide Pastor, com quem viveu entre 1835 e 1839, embora continuasse casado com Luísa Cândida da Silva Midosi. Garrett e Adelaide, falecida com 21 anos, tiveram uma filha tão problemática como a Maria da peça. A vida de D. Manuel de Sousa Coutinho, mais tarde Frei Luís de Sousa, autor canónico do século XVII, serviu de pretexto para recriar o drama pessoal do autor.

Isto pode ter muitas leituras. Miguel Loureiro fez a dele numa encenação brilhante, enriquecida pelo trabalho de luz de José Álvaro Correia, a cenografia de André Guedes, os figurinos de José António Tenente e, last but not least, as interpretações de Álvaro Correia, Ângelo Torres (um Telmo inesperado e magnífico), Carolina Amaral, Gustavo Salvador Rebelo, João Grosso, Maria Duarte, Rita Rocha, Sílvio Vieira e Tónan Quito. Gonçalo Ferreira de Almeida é o assistente de encenação. A música que encerra os actos não podia ter sido melhor escolhida.

Vi as versões de Ricardo Pais (1979) e de Carlos Avillez (1999), mas não gostei absolutamente nada da primeira (um patchwork de Garrett, Alexandre O'Neill e Maria Velho da Costa), nem me entusiasmei com a segunda. As que foram feitas nos últimos vinte anos não vi.

Miguel Loureiro reconciliou-me com o texto, belíssimo, mas só agora — a dicção dos actores é decisiva — isso me foi evidente. A clareza do texto é o princípio de tudo e talvez seja por isso que este Frei Luís de Sousa nos interpela.

Parabéns a toda a equipa e ao Miguel Loureiro em particular.

A foto é de Filipe Ferreira. Clique.