quinta-feira, 23 de agosto de 2018

DYHOUSE & HILL


Hoje na Sábado escrevo sobre Uma História do Desejo Feminino, de Carol Dyhouse (n. 1948), historiadora social britânica. Como evoluiu o desejo das mulheres? Foi para tentar responder à questão que a autora escreveu este livro. A partir de um vasto elenco de actores, cantores pop e, grosso modo, homens célebres, Carol Dyhouse estabelece, a partir dos anos 1920, uma cartografia do desejo feminino. Sendo certo que o cinema e a música popular foram grandes detonadores da emancipação sexual, não é de estranhar que a autora dedique atenção a homens que fazem parte do imaginário universal (como, entre outros, Rodolfo Valentino, Liberace ou Elvis Presley), bem como a fenómenos de massa, caso da Beatlemania. Uma das conclusões mais curiosas radica no facto de Carol Dyhouse notar, com sageza, que o padrão ideal da masculinidade tem sido associado à figura de actores homossexuais: Richard Chamberlain e Rock Hudson alimentaram as fantasias de donas de casa em todo o mundo, tal como, num registo menos popular, sucedeu com Dirk Bogarde e Montgomery Clift. Noutro plano, o cinema fez de Mr Darcy, protagonista masculino de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, um arquétipo do herói romântico. Mas nem só o cinema e as bandas rock serviram de indutor e escape do desejo. No início do século XX, a imprensa feminina estabeleceu protótipos: «sheiks, sultões e príncipes estrangeiros, empresários, estrelas de cinema, aristocratas e aviadores.» Beau Brummell, o dândi por excelência, foi imortalizado no cinema por John Barrymore. É um entre vários exemplos de homens públicos que marcaram a representação do desejo das mulheres. As relações entre mulheres brancas e homens negros é outro tópico abordado. Servem de exemplo as ligações amorosas de Paul Robeson, barítono e activista político, com mulheres da alta sociedade britânica (Nancy Cunard e outras), mas também o affair que juntou Leslie Hutchinson, artista de cabaré, e Edwina Mountbatten, mulher do último vice-rei da Índia. Com relevo para a linhagem de mulheres escritoras, o estudo vai até E.L. James e As Cinquenta Sombras de Grey. Inclui iconografia e índice remissivo. Quatro estrelas. Publicou a Quetzal.

Escrevo ainda sobre Nix Fantasmas do Passado, o romance de estreia de Nathan Hill (n. 1978). Distinguir a verdade da mentira é o móbil do romance. A narrativa cobre o período que vai dos motins estudantis da Primavera de 1968, até ao aparecimento do Occupy Wall Street, no fim do Verão de 2011. Hill levou dez anos a concluir o livro. O resultado é um tour d’horizon pela América actual. Um dos personagens é o político republicano Sheldon Packer, em quem todos identificam a representação literária de Trump. Tal como na vida real, a ‘verdade’ de Packer não coincide com os factos. E Packer também não tolera imigrantes. Samuel Andresen-Anderson, o protagonista, é um escritor falhado que volta a saber da existência da mãe quando as televisões dão notícia de que, «num ataque pérfido», uma professora radical hippie tinha atingido a córnea direita do governador Packer. Para alguém que ocupava 40 horas por semana a jogar World of Warcraft, o atentado de Grant Park, em Chicago, muda tudo. A contracultura já não é o que era. Três estrelas. Publicou a Presença.