quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

HOWARD & KLOUGART


Hoje na Sábado escrevo sobre o primeiro volume do quinteto Os Anos da Inocência, de Elizabeth Jane Howard (1923-2014), uma grata surpresa. Já era altura dos portugueses conhecerem esta romancista inglesa, até agora inédita em Portugal. Autora de romances, ensaios e uma autobiografia corrosiva, Elizabeth Jane Howard foi durante muitos anos vista como ‘a mulher’ de Kingsley Amis, que foi seu terceiro marido. Porém, o enteado, Martin Amis, nunca subestimou a importância da obra da madrasta. E não está sozinho nos encómios. A autora foi vítima do preconceito que menorizava a escrita de mulheres, sobretudo se, como é o caso, os temas centrais não fossem fracturantes (como à época eram os de Simone de Beauvoir). Pelo contrário, Elizabeth Jane Howard preocupou-se em descrever pessoas, hábitos, costumes e situações comuns. E nem por isso deixou de ser uma mulher emancipada. A par de vários casamentos e affairs episódicos, teve ligações amorosas com o poeta Cecil Day-Lewis e Arthur Koestler. A história da família Cazalet, nos anos que vão de 1937 a 1956, preenche os cinco volumes desta saga familiar de classe alta. Por enquanto estamos em 1937-38. O Verão na casa do Sussex foi atribulado. Cada um dos quatro filhos de Kitty e William Cazalet (Hugh, Edward, Rachel e Rupert) tem idiossincrasias muito próprias, e a única rapariga, que é solteira, até tem um segredo. O negócio das madeiras está em declínio, mas, naquele Verão, ninguém quer pensar em desgraças. Nem a sombra da guerra iminente matiza a despreocupação do clã. Um espírito cínico dirá que se trata de um microcosmo à Downton Abbey, actualizado, mas isso não constitui óbice, porque Elizabeth Jane Howard consegue ser, ao mesmo tempo, subtil e penetrante no modo como efabula a intriga e dispõe as personagens. Fazer votos para que sejam rapidamente traduzidos e publicados os restantes volumes: Marking Time (1991), Confusion (1993), Casting Off (1995) e All Change (2013). Entretanto, se lermos com atenção, não será despiciendo encontrar pontos de contacrto entre Elizabeth Jane Howard e Jane Austen. Quatro estrelas. Publicou a Asa.

Escrevo ainda sobre Um de Nós Dorme, da dinamarquesa Josefine Klougart (n. 1985). Este terceiro romance da autora suscitou o entusiasmo da crítica escandinava quando foi publicado. Então com 27 anos, foi saudada como uma nova Virginia Woolf, o tipo de rótulo que tende a defraudar expectativas. Afinal, lá onde Ms Woolf sempre foi subtil, mas exacta, Josefine é aleatória no modo como usa o fluxo da consciência. Não refeita de um desaire amoroso, a narradora sem nome erra pelas neves da Jutlândia. Vai a caminho da casa da infância onde a mãe morre lentamente de cancro. Sincopada, umas vezes na primeira pessoa, outras na terceira, a narrativa é fragmentada pelos efeitos da depressão e o transtorno de personalidade limítrofe da narradora. O monólogo interior ajuda: «Não resta muita realidade no teu corpo. É como se as tuas representações do mundo tivessem assumido o controlo.» Avanços e recuos no tempo compõem o récit. A história vem da fundação dos tempos: mulher encontra homem («Mas ele não percebeu que me sirvo dele para adiar a morte»), vivem dias vibrantes e, de repente, tudo acaba. Tão prosaico como isto. Três estrelas. Publicou a Elsinore.