sábado, 6 de fevereiro de 2016

TAP MA NON TROPPO


O Governo reverteu mesmo as condições de privatização da TAP. Pedro Marques, ministro do Planeamento e das Infraestruturas, assinou ontem com Humberto Pedrosa e David Neeleman, os accionistas privados da companhia, os novos termos. O Estado passa a deter 50% das acções e a Atlantic Gateway a outra metade (é da metade privada que saem os 5% destinados aos trabalhadores). Cada uma das partes nomeia seis membros do Conselho de Administração, cuja presidência passa a ser do Estado, com voto de qualidade. Desde 12 de Novembro, dois dias depois da queda do Governo PAF, e até ontem, a Atlantic Gateway deteve 61% do capital. Como disse António Costa, «com acordo ou sem acordo, isto não fica assim.» Não ficou.

A imagem é do Diário de Notícias.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A HISTERIA DO OE

Não houve cão nem gato que não se tivesse pronunciado já sobre medidas concretas do OE 2016, sendo certo que o documento só ontem foi aprovado em Conselho de Ministros, ao cabo de uma maratona de sete horas. A partir do momento em que for entregue no Parlamento, o que deverá acontecer hoje, poderemos confrontar a realidade com o agitprop das últimas semanas.

O comportamento indecoroso das televisões, repetindo imagens fora do tempo como se fossem “directos” (a guarda pretoriana de Subir Lall a percorrer os Passos Perdidos, as declarações do comissário Moscovici, outras), devia envergonhar os profissionais que lá trabalham. Sejamos claros: os últimos quatro anos abandalharam o país, mas ainda não somos o Haiti. Contudo, ouvindo Judite de Sousa, José Rodrigues dos Santos e outros que tais, parece que sim.

É um triste sinal dos tempos que tenha de ser Manuela Ferreira Leite a dizer, como disse ontem à noite na TVI: «Em termos formais e políticos o Governo português ganhou, não tendo abdicado daquelas medidas que lhe garantiam o apoio, e apresentando um orçamento que tem cuidado de que as contas estejam equilibradas. A crispação que existe no país relativamente à proposta do Orçamento é absolutamente injustificável.» Elementar.

DISCURSO DIRECTO, 36

Viriato Soromenho Marques, no Diário de Notícias. Excerto, sublinhado meu:

«Se em 2011 o BCE tivesse já em vigor o atual mecanismo de apoio condicional, mas “ilimitado”, à compra da dívida pública, Portugal não teria sido empurrado para o resgate. A nossa dívida não teria disparado dos 94% para os atuais 130%. Sem resgate, muito sofrimento e destruição material teriam sido evitados. Os erros do passado corrigem-se não os repetindo. Para onde quer que a Europa vá, seja renovando a UE ou reerguendo-se das suas ruínas, nem mesmo Berlim poderá prescindir de aliados

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

GOETHE


Hoje na Sábado escrevo sobre Viagem a Itália, de Goethe, obra que João Barrento traduziu, prefaciou e anotou. Trata-se do diário da viagem que o autor fez a Itália, em segredo e incógnito, entre Setembro de 1786 e Maio de 1788. Originalmente publicada em duas partes, em 1816 e 1817, foi a partir da edição de 1829, Italienische Reise, em três partes, que foi traduzida a presente edição. Deve ser lida como relato autobiográfico daquele período da vida do homem que estabeleceu as bases do drama romântico alemão, escreveu poemas, romances, contos, peças de teatro, memórias, ensaios, obras científicas, etc., tendo em simultâneo ocupado cargos de relevo na Administração Pública de Weimar. Nascido em Frankfurt em 1749, no seio de uma família patrícia, Johann W. Goethe estudou Direito em Leipzig e, aos 25 anos, era famoso. Seria depois do regresso de Itália e da publicação de algumas das suas obras mais conhecidas (como por exemplo o romance epistolar A Paixão do Jovem Werther, de 1774) que tomaria parte nas campanhas contra a França. Amigo de Schiller, com quem participou no movimento Sturm und Drang, tornar-se-ia o mais destacado autor da moderna literatura alemã, evidência tonitruante à data da sua morte (1832), por força, sobretudo, do Fausto. Viagem a Itália regista o percurso entre as termas de Karlsbad e Nápoles, com regresso a Weimar ao fim de vinte meses de estadia em Trento, Verona, Pádua, Veneza, Ferrara, Florença, Assis, Roma, Palermo e outras cidades. Levada a cabo de forma quase clandestina, a viagem inscreve-se num imperativo (da aristocracia e da burguesia culta) do Século das Luzes: conhecer o solo de Horácio, Petrarca e Leonardo. Lido o diário, podemos intuir o peso dessa experiência nas preocupações de Goethe. João Barrento cita Emil Staiger para sublinhar a «metamorfose que quase põe em perigo a unidade da pessoa do autor na nossa imaginação…» Será por excesso de clareza na prosa? Além das indispensáveis notas, o volume inclui em apêndice um estudo sobre o Carnaval Romano, ilustrado com vinte gravuras coloridas a partir de desenhos de Johann Georg Schütz. Cinco estrelas.

Escrevo ainda sobre O Coro dos Defuntos, de António Tavares (n. 1960), dramaturgo, romancista e ensaísta, o mais recente laureado com o Prémio LeYa. A partir de uma aldeia remota, lugar simbólico, António Tavares faz o retrato cinzento dos últimos anos do Estado Novo: «Durante os jogos olímpicos, numa cidade alemã, foram mortos vários atletas israelitas. A caixa mágica relatava as coisas sem emoção e permitia que se abatesse um gélido silêncio sobre quem ouvia.» Isenta de proselitismo anti-fascista, a narrativa é clara no propósito de denúncia da ditadura e do atavismo cultural. Certo didactismo, como por exemplo na explicação das palavras “novas” (novas naquele meio e naquele tempo), desacelera a fluência do plot mas não belisca o resultado final de um romance que se lê com satisfação. Em clave de homenagem a Aquilino Ribeiro, o uso de vocábulos caídos em desuso justifica as nove páginas do glossário que fecha o volume. Três estrelas. Publicou a LeYa.

CÂNONE POSSÍVEL


No âmbito do Projecto Adamastor, participei, com outros escritores, críticos, editores e professores de literatura, num inquérito destinado a escolher os Melhores Romances Escritos em Língua Portuguesa.

O resultado foi como segue. Obras com igual votação estão alinhadas de acordo com a posição obtida nas listas individuais: um título classificado em primeiro lugar tem pontuação superior aos restantes.

1.º — Os Maias, Eça de Queirós
2.º — Memorial do Convento, José Saramago
3.º — Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa
4.º — três obras ex aequo
Mau Tempo no Canal, Vitorino Nemésio
Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett
A Sibila, Agustina Bessa-Luís
5.º — duas obras ex aequo
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
Sinais de Fogo, Jorge de Sena
6.º — três obras ex aequo
O Delfim, José Cardoso Pires
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
A Casa Grande de Romarigães, Aquilino Ribeiro
7.º — Dom Casmurro, Machado de Assis
8.º — duas obras ex aequo
Gabriela, Cravo e Canela, Jorge Amado
Finisterra, Carlos de Oliveira
9.º — sete obras ex aequo
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Lillias Fraser, Hélia Correia
Eurico, o Presbítero, Alexandre Herculano
A Noite e o Riso, Nuno Bragança
A Queda dum Anjo, Camilo Castelo Branco
Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago
Húmus, Raul Brandão
10.º — oito obras ex aequo
Para Sempre, Vergílio Ferreira
Os Cus de Judas, António Lobo Antunes
O Primo Basílio, Eça de Queirós
Casas Pardas, Maria Velho da Costa
A Relíquia, Eça de Queirós
A Jangada de Pedra, José Saramago
Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, Mário de Carvalho
A Cidade e as Serras, Eça de Queirós

Em paralelo, realizou-se um inquérito público, de leitores estranhos ao meio literário. O resultado foi como segue.

1.º — Os Maias, Eça de Queirós
2.º — Memorial do Convento, José Saramago
3.º — Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago
4.º — A Sibila, Agustina Bessa-Luís
5.º — Capitães de Areia, Jorge Amado
6.º — três obras ex aequo
A Cidade e as Serras, Eça de Queirós
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
7.º — O Crime do Padre Amaro, Eça de Queirós
8.º — Aparição, Vergílio Ferreira
9.º — Equador, Miguel Sousa Tavares
10.º — duas obras ex aequo
Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa
Sinais de Fogo, Jorge de Sena
11.º — quatro obras ex aequo
Dom Casmurro, Machado de Assis
Mau Tempo no Canal, Vitorino Nemésio
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago
12.º — quatro obras ex aequo
A Queda dum Anjo, Camilo Castelo Branco
A Selva, Ferreira de Castro
Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, Afonso Cruz
Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett
13.º — O Primo Basílio, Eça de Queirós
14.º — cinco obras ex aequo
A Casa Grande de Romarigães, Aquilino Ribeiro
A Hora da Estrela, Clarice Lispector
Esteiros, Soeiro Pereira Gomes
Gabriela, Cravo e Canela, Jorge Amado
Para Sempre, Vergílio Ferreira
15.º — três obras ex aequo
As Intermitências da Morte, José Saramago
Manhã Submersa, Vergílio Ferreira
O Delfim, José Cardoso Pires

É interessante verificar que os dois primeiros lugares coincidem nos dois inquéritos: o do Meio e o do público.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

FEITO

Contrariando as manchetes corrosivas dos jornais da manhã, Bruxelas deu luz verde ao draft do OE 2016. Contudo, as edições online da imprensa ainda não deram um pio.

Facto: as negociações técnicas terminaram com acordo entre as partes. Aumentam os impostos sobre a Banca, o tabaco, os carros e os produtos petrolíferos. Também aumenta o imposto de selo sobre o crédito ao consumo. Os fundos imobiliários, até agora isentos, passam a pagar IMI.

Paulo Rangel, o eurodeputado do PSD que em Bruxelas e Estrasburgo tem desenvolvido uma campanha vergonhosa contra o Governo português, vai ter de enfiar a viola no saco.

DISCURSO DIRECTO, 35

Jorge Silva Melo, em entrevista ao jornal i conduzida por Nuno Ramos de Almeida.

«A minha autobiografia é aquilo que eu vejo. Eu sou aquilo que vejo, aquilo que oiço, aquilo que me disseram e que eu cumpri ou não cumpri

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

SEGUNDA CIRCULAR

Na sessão pública ontem realizada (não confundir com a «consulta pública» que encerrou no passado dia 29 de Janeiro e contou com 400 contributos) sobre a requalificação da Segunda Circular, foram desmentidas informações erradas difundidas pelos media e nas redes sociais. Dois exemplos: a redução de três para duas vias de circulação — falso; plantação de centenas de árvores junto ao aeroporto — falso. A maioria dos participantes alegou não ter visto o projecto com atenção, baseando-se apenas no que leu nos jornais e ouviu na televisão. O costume: as pessoas histerizam de ouvido. Estiveram presentes representantes da Quercus, ACP, ANA, ANTRAL, Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas (statement: «Uma oportunidade muito importante para se reforçar a estrutura ecológica de Lisboa»), Navegação Aérea de Portugal, Federação Portuguesa dos Táxis, etc. A todos Manuel Salgado explicou como vai ser. Sentimento geral: todos de acordo, excepto que a Quercus quer ciclovias, e os taxistas não. No próximo dia 10 haverá nova sessão.

DISCURSO DIRECTO, 34

José Vítor Malheiros, O reino da Dinamarca está podre. O resto da Europa também, hoje no Público. Excerto:

«Independentemente do número de bibliotecas, de universidades e de orquestras que possa possuir, uma Europa indiferente ao sofrimento não é o lugar da cultura mas o lugar da barbárie. Uma Europa egoísta e classista, uma Europa de castas e de privilégios não é a Europa das Luzes nem da democracia. É uma Europa de mercadores e de mercenários que deve ser recusada e combatida

COMEÇOU

Ontem, no Jornal da Noite da SIC, Clara de Sousa conseguiu dizer, sem se rir, que Donald Trump tem apresentado propostas sensatas que respondem aos anseios da maioria do povo americano. 

Miguel Sousa Tavares, que estava com ela em estúdio, chamou-lhe estúpida sem perder a compostura, e explicou porquê. Como nenhum dos dois se exaltou, nem levantou a voz, a coisa passou. Mas quem quiser conferir só tem de procurar o vídeo. Já agora: Ted Cruz, o senador republicano que disputa as Primárias com Trump, venceu o Caucus do Iowa por 27,7% (contra 24,3% do milionário). Ted Cruz, 45 anos, filho de pai cubano, pertence à ala mais conservadora do partido.

Do lado democrata, Hillary Clinton e Bernie Sanders ficaram praticamente empatados, com 49,9% e 49,5% respectivamente. Hillary, 68 anos, dispensa apresentações. Bernie Sanders, 74 anos, também senador, apresenta-se às Primárias com um programa socialista. Isso mesmo: socialista. É excitante, mas levanta um problema: se, lá mais para o Verão, ganhar a nomeação democrata, a Casa Branca cai no colo dos republicanos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

CIDADES VIOLENTAS


Quem viaja ou viajou para a África do Sul após a queda do apartheid (1994), descreve a Joanesburgo actual como a Nova Iorque do filme de Carpenter, e a Cidade do Cabo como o paraíso na terra. Em Joanesburgo, os sul-africanos das classes altas, os executivos estrangeiros das multinacionais, e o segmento da comunidade branca com elevado poder de compra, tiveram de mudar-se para cidades-satélite, na realidade cidades-bunker, que não existiam há trinta anos. O bairro de Hillbrow, que no meu tempo de rapaz era um oásis de cosmopolitismo (restaurantes e cafés franceses, galerias de arte, cinemas, clubes gay, livrarias abertas 24 horas, comércio de luxo), o epicentro da boémia, o sítio onde os intelectuais faziam questão de morar, tornou-se um filme de terror. Em contrapartida, a fazer fé no relato de viajantes actuais, o tempo parou na Cidade do Cabo, onde, reza a lenda, os brancos que subsistem, e são muitos, continuam a viver pelo padrão pré-1994. A cidade é deslumbrante, e são raros os turistas que procuram visitar as Cape Flats, ou seja, as favelas (sendo Khayelitsha a mais conhecida) que, todas juntas, formam o anel de zinco que rodeia a cidade. Todos os dias, a partir do fim da madrugada, dezenas de comboios despejam milhões de favelados na cidade elegante. Ao fim da tarde dá-se o movimento inverso.

Facto: segundo o relatório de 2015 da ONG mexicana Segurança, Justiça e Paz, a Cidade do Cabo ocupa o 9.º lugar entre as dez mais violentas do mundo: 65,5 homicídios por cada cem mil habitantes. É de resto a única cidade fora da América Latina a integrar o ranking. Quem diria, embora seja fácil perceber porquê.

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IR AO POTE

Em Outubro, dias depois das eleições, o Governo PSD-CDS aumentou os salários de três membros da Autoridade Nacional de Aviação Civil em mais de 150%. Com efeitos retroactivos a Julho, o presidente da ANAC passou a auferir 16.075 euros por mês (em vez de 6.030), o vice-presidente 14.468 (em vez de 5.499) e uma senhora vogal 12.860 (em vez de 5.141). Por que será que este tipo de informação não abre telejornais?

QUID PRO QUO

Em vez de nos massacrarem com o mantra de que Bruxelas não aceita o draft do OE 2016, os media, em vez de salivar, deviam explicar a quem os lê e ouve que na origem do quid pro quo está o facto de o Governo PSD-CDS ter dito uma coisa à Comissão Europeia e outra aos portugueses. Para garantir o Protectorado, Passos & Gaspar garantiram em Bruxelas que os cortes no Estado (salários, pensões, apoios sociais) e a sobretaxa de IRS eram medidas definitivas. Ora, basta ler os acórdãos do Tribunal Constitucional para verificar que são transitórias. Como aliás entre nós se fartou de repetir o anterior primeiro-ministro. Os arquivos de jornais e televisões estão cheios dessas profissões de fé. É natural que os funcionários da Comissão estejam baralhados. Os papers de 2011 não batem certo com os de 2016.