quinta-feira, 16 de junho de 2016

CLAUDIO MAGRIS


Hoje na Sábado escrevo sobre Uma Causa Improcedente, de Claudio Magris (n. 1939), que voltou ao romance após um intervalo de nove anos. Publicado no ano passado, acaba de ser traduzido. Quem leu Às Cegas reencontra algumas das obsessões do autor, sobretudo as que dizem respeito ao papel da Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Aliado de Hitler, Mussolini mandou perseguir, prender, torturar e assassinar os adversários do Eixo, em especial compatriotas seus (muitos atravessaram a fronteira para ingressarem no exército jugoslavo), mas também eslovenos e croatas, além de judeus de todas as origens que acabaram no forno crematório da Risiera di San Sabba. Uma Causa Improcedente parte de factos concretos: o campo de morte em Trieste, utilizado entre Setembro de 1943 e Abril de 1945, e, na mesma cidade, o Museo Della Guerra Per La Pace Diego de Henriquez. Magris sabe que toda a ficção se nutre de realidade. Embora o seu nome seja omisso, Diego de Henriquez (1909-1974) está no centro da intriga: «Sem esse homem e sem a sua totalizante paixão este livro não teria sido escrito.» Ao invés, Luísa é uma personagem totalmente ficcionada. Magris intercala as vidas de ambos, Diego e Luísa, com a sua própria memória histórica. Monólogos interiores, pequenos apontamentos, descrições de fôlego: «Descobrir que aqueles belos terraços iluminados eram a outra fachada da Risiera — o salão recomendável, de representação, daquele como de todos os matadouros…» (o campo de concentração de Trieste ocupava um complexo industrial imponente). Diego não esquece os demónios ávidos «de carne humana», por isso insiste no projecto do Museu da Guerra, palco da Humanidade desfigurada. Sobrepondo os tempos da narração, fragmentada entre flashbacks e o presente, por vezes episódios estranhos à urdidura, indiferente ao efeito que possa ter na leitura a sobrecarga de informação sobre material de guerra (canhões, tanques, espessura de blindagens, aviões, submarinos, etc.), Magris compõe um quadro dantesco, matizado pela música de uma prosa enxuta: «A alma entra num outro corpo, talvez num jaguar, também numa planta, num cato, alguém devora o meu corpo, aqui, ali, a rede cede como uma teia de aranha cai entre os catos.» Indispensável. Cinco estrelas.