domingo, 24 de abril de 2016

CANONIZO EU, CANONIZAS TU


A propósito do post de ontem sobre o cânone do DN, aproveito para lembrar a polémica gerada pela edição, em Outubro de 2002, da antologia Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX, organizada por Osvaldo Manuel Silvestre, professor da Universidade de Coimbra, e Pedro Serra, professor da Universidade de Salamanca.

Transcrevo do meu livro de memórias, com inclusão, entre parênteses rectos, de nomes e excertos de notas de fim de texto:

«Um colégio de 73 ensaístas e poetas escolheu 73 poemas. Poemas e não poetas. O resultado indexa esses 73 poemas a 47 poetas. A lista dos ausentes ilustra bem o que acima vai dito. Não foram seleccionados poemas de dezenas de autores em regra antologiáveis. [Entre outros, estão ausentes António Botto, José Gomes Ferreira, António Gedeão, Miguel Torga, Raul de Carvalho, Natália Correia, Manuel Alegre e Maria Teresa Horta.] Na Assembleia da República, dez deputados liderados por Almeida Santos e Helena Roseta apresentaram em plenário um manifesto contra a ‘discriminação’ que se abatera sobre Torga e mais nove. [Além de Torga, o manifesto dos deputados cita Afonso Duarte, Florbela Espanca, António Botto, Pedro Homem de Mello, António Gedeão, Adolfo Casais Monteiro, Manuel da Fonseca, Natália Correia e Manuel Alegre.] Nunca o Parlamento produziu um documento tão esotérico. Silvestre & Serra responderam aos deputados de forma liminar: ‘Façam política, que é para isso que vos pagamos.’ [cf Público, 2-3-2003] Sem surpresa, uma onda de mexericos varreu o Meio. Um desses boatos garantia que Eugénio de Andrade, representado com um poema, teria sido incluído in extremis. Ouvida pelo Diário de Notícias, Maria Teresa Horta, uma das ausentes, deixou no ar o rumor — ‘como ia acontecendo ao Eugénio de Andrade, que no final foi incluído’. [cf DN 28-1-2003] Colaborei na antologia e sei que não foi assim. Por essa ordem de ideias, Torga estaria lá.» — cf Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013.

Portanto, nada de novo. Século de Ouro colige 73 poemas de 47 poetas. Sena e Ruy Belo são os poetas com maior representação. Cada poema é acompanhado de um ensaio. Sou autor da close reading ao poema O Preto no branco, de Rui Knopfli. Uma minuciosa introdução de 53 páginas explica a filosofia e o modus operandi da antologia.